sábado, 20 de junho de 2015

O "habitus" no trabalho do professor

Durante o estágio tive várias dificuldades para compreender as práticas da Escola da Serra. Como frequentei a escola pública nas décadas de 70 e 80, percebi que havia muitas diferenças entre as práticas que vivenciei como aluna e, agora, como professora em formação.

Uma das coisas que mais me incomodava era a abertura dada para os estudantes. Sempre falava com a Supervisora Pedagógica: "Lu, não entra na minha cabeça isso... Quando eu era criança, a gente se levantava quando o professor entrava na sala. Agora é assim, as crianças fazem e falam o que elas querem, tratam a gente de qualquer jeito... Não aceito isso, é inadmissível e errado!"

Desde a primeira vez que convivi com as práticas escolares, em uma escola que adota a perspectiva construtivista do desenvolvimento da inteligência na criança, senti uma enorme diferença.

Lembro-me do primeiro dia em que entrei em uma sala de aula na Escola da Serra. Um aluno, de 8 anos, estava sentado na rodinha, tocando "Metamorfose Ambulante" no violão enquanto a professora se encaminhava para a sala de aula. Eu cheguei antes dela e logo pensei: "Quando a professora chegar ele vai ter que guardar o violão, coitado. E ainda deve levar uma bronca!" Que nada! A professora entrou na sala, sentou-se na roda e começou a cantar com ele e com toda a turma. Depois elogiou, bateu palma... A Supervisora Pedagógica passou e cumprimentou. Outra professora passou e cumprimentou, sorrindo. O Diretor passou e cumprimentou. E eu não entendi absolutamente nada.

Teve outro episódio também, quando eu fazia estágio supervisionado na Escola da Serra. Foi o seguinte: os alunos estavam subindo antes da aula começar e aí o pessoal dos Serviços Gerais procurou a gente e falou que isso atrapalhava a limpeza das salas porque os alunos colocavam as mochilas em cima da mesa ou no chão. Então, era para pedir que os estudantes só subissem no horário. Um dia estava chovendo e todo mundo queria subir. Eu fechei a porta que dava para a escada e não deixei ninguém subir. Não era uma ordem, não era a organização da escola? Então... Aí, foi só eu sair um segundo de perto da porta que todo mundo subiu antes do horário. Não foi um ou dois alunos, foram todos os alunos da escola que estudam na parte da tarde. Fiquei pensando naquilo e achei muito interessante essa resistência por parte dos alunos: ficar sem nada para fazer num dia chuvoso com o pátio todo molhado.

No Módulo I, estudamos o habitus do professor. Santos (2002, p.179-180), ao citar Ecléa Bosi, fala sobre a memória-hábito que "está relacionada com o fato de construirmos e guardarmos esquemas de comportamento dos quais nos valemos muitas vezes na nossa ação cotidiana". Santos (2002, p. 180) cita também Perrenoud que, "baseando-se em Bourdieu, ele usa o termo habitus para denominar esses esquemas construídos ao longo do tempo, por meio de nossas experiências, que são responsáveis pelas ações sobre as quais não temos clara consciência".

Dessa forma, percebi que agia automaticamente diante de diferentes situações escolares que eu vivenciei no passado e reproduzo no presente e que, portanto, eram familiares.

Nesse sentido, Santos (2002), Peres (2003) e Souza (2009) falam sobre a importância da memória como fator importante na formação do profissional reflexivo, capaz de mudar ou manter sua conduta a partir de seu reconhecimento como sujeito sócio-histórico. Santos (2002, p. 180) assim diz:  

Supervisionados por alguém com maior experiência e com o auxílio de teoriasl, [os professores] poderiam fazer o que é denominado releitura da prática, ou seja, a experiência prática seria analisada a partir de teorias e princípios pedagógicos, favorecendo a mudança de habitus, na medida em que os professores se tornariam conscientes das causas que os levaram a agir de determinada forma.


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